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Histórias não curam: por que reconhecer isso fortalece o cuidado simbólico na Contoterapia®

  • 30 de jun.
  • 5 min de leitura

Você já ouviu a expressão que diz que os contos ou as histórias curam? Ela é comum no campo das abordagens terapêuticas que utilizam narrativas como parte de seus métodos. É uma ideia que inspira, emociona e dá sentido a muitas práticas. Mas e se ela estiver equivocada?


Dizer que histórias não curam não é negar a potência dos contos. Pelo contrário: é um convite a nomear com mais precisão o que de fato acontece quando uma história toca alguém.

Duas pessoas sentadas ao redor de uma fogueira, sob um céu estrelado, em silêncio compartilhado. Entre elas, faíscas sobem suavemente, criando uma atmosfera de presença e escuta.
Duas presenças. Uma história entre elas.

O que acontece quando uma história nos atravessa?


Talvez você já tenha vivido algo assim: ouviu um conto, sentiu que ele mexeu com você, que algo foi acessado internamente, e então percebeu uma mudança sutil ou intensa. O corpo relaxa, a respiração se altera, os olhos se enchem de lágrimas. Uma lembrança antiga emerge, ou talvez você se reconheça no enredo, nos gestos ou no dilema do protagonista. E, dias depois, as imagens do conto ainda reverberam. A sensação é de que algo se realinhou. A expressão espontânea que vem é: “essa história me curou”.


Mas será mesmo a história que curou? Ou será que foi você quem, ao se deixar atravessar por aquela imagem simbólica, ativou um movimento interno de cuidado, de reflexão, de reconexão com algo essencial e, por fim, de reorganização subjetiva?


Na Contoterapia® essa sutil distinção vem sendo cada vez mais essencial. Uma história por si só é apenas forma e conteúdo, ou seja, uma narrativa composta por palavras, imagens e ritmos. O que a transforma em algo significativo é o encontro. É o momento em que ela é ouvida com presença, quando há abertura simbólica, quando algo em quem escuta está pronto, ou pelo menos, disponível, para ser tocado.


É comum observar isso na prática: uma mesma história pode passar despercebida num dia e, em outro momento, provocar um abalo profundo. O conto é o mesmo. Quem muda é o ouvinte. O corpo é outro. O contexto é outro. A escuta é outra.


Por isso, na Contoterapia®, dizemos com clareza e responsabilidade: a história não cura. O que ela faz, e isso já é imenso, é oferecer uma linguagem simbólica para que o sujeito possa se cuidar. Ela não resolve, mas revela. Não conduz, mas acompanha. Ela não substitui a ação subjetiva, ela a convoca. Os contos não invadem, não exigem, não dizem o que fazer. Eles se oferecem. E, quando o ouvinte está de fato presente, esse oferecimento simbólico pode acionar um gesto interno, inaugurar um movimento, possibilitar uma nova percepção sobre algo que estava, até então, bloqueado, obscurecido ou silenciado.



O cuidado simbólico: entre linguagem, presença e autonomia


Histórias não são remédios. Não possuem dose, bula ou garantia de efeito. Não tratam sintomas, tampouco aplicam soluções. Elas oferecem algo muito mais sutil, e por isso, mais profundo: uma linguagem simbólica capaz de representar o que ainda não foi dito, ou que talvez nem possa ser dito.


Um conto bem contado não entra na psique como uma ferramenta de correção, mas como um espelho carregado de imagens, metáforas e ritmos que se entrelaçam com o que vive, em silêncio, dentro de quem escuta. E é no espaço desse encontro, entre a imagem simbólica e a escuta disponível, que algo pode, eventualmente, se reorganizar.


É nesse ponto que a Contoterapia® se encontra com a Teoria do Autocuidado, desenvolvida pela enfermeira e teórica Dorothea Orem. Segundo ela, “o ser humano é agente ativo do seu próprio cuidado.”. O papel do cuidador, portanto, não é agir em nome do outro, mas oferecer condições, como presença, suporte e orientação, para que ele possa agir sobre si mesmo. Essa lógica, aplicada ao campo simbólico, ilumina uma compreensão fundamental: o conto, por mais bem escolhido ou belamente narrado, não cuida sozinho. O cuidado simbólico só acontece quando há relação, quando há presença interna de quem escuta e disponibilidade para permitir que a história se torne linguagem viva.


Como diz um velho ditado: “As histórias são a semente. Nós somos o solo.” O conto, por si só, não opera. Ele precisa de escuta, de contexto, de enraizamento.


Essa diferença muda tudo. Ela nos permite sair de uma visão instrumentalizada e utilitarista do uso de narrativas, aquela que trata o conto como algo que “faz efeito”, e nos convida a reconhecê-lo como algo que abre espaço: espaço para a escuta, para a imagem, para o gesto simbólico que emerge da pessoa e não é imposto a ela. Nesse sentido, o cuidado simbólico é uma forma de ação subjetiva. Ele não se aplica sobre alguém. Ele se ativa em alguém.


Esse entendimento ecoa também no pensamento de Spinoza, filósofo do século XVII que afirmava que a transformação não ocorre por forças externas, mas pela ampliação da potência de existir de cada ser. A história, nesse contexto, não é causa da mudança, mas condição simbólica para que essa mudança se torne possível. Na Contoterapia®, o conto é isso: uma presença simbólica que convoca, mas não conduz; que ilumina, mas não força; que acompanha, mas não toma o lugar do sujeito.


Reconhecer esse lugar da narrativa nos permite transitar por ela com mais ética, mais intencionalidade e mais precisão simbólica. Não para prometer cura, mas para oferecer companhia. Não para substituir o trabalho interno de quem escuta, mas para sustentar o espaço onde esse trabalho pode começar.


O lugar da história na Contoterapia®: cuidado, não promessa


A história, na Contoterapia®, não é uma ferramenta terapêutica aplicada sobre o outro. Não é técnica, nem prescrição, nem artifício. O conto é ambiente simbólico. Um campo de escuta e presença onde a linguagem sensível atua como mediadora entre o vivido e o sentido. Ele não age por fora, mas convoca por dentro. Ele não interfere, ele se relaciona.


A história não entrega respostas prontas, mas oferece imagens que a alma reconhece. Ela não “cura” no sentido biomédico, mas prepara terreno fértil para que a pessoa possa reorganizar, com autonomia, aquilo que está dissonante. O conto é o fio. É quem escuta, com abertura e presença. que o transforma em tecido.


É por isso que a frase “histórias curam”, embora bonita e bem-intencionada, precisa ser revista. Ela pode gerar expectativas mágicas, deslocar o protagonismo simbólico para fora da pessoa e alimentar uma fantasia terapêutica que idealiza o terapeuta como alguém que “cura através da história”. Isso fragiliza a ética do cuidado e compromete a autonomia de quem escuta.


Na Contoterapia®, escolhemos outro caminho. Dizemos com clareza: contos cuidam. E ao dizê-lo, afirmamos que o cuidado simbólico é uma construção relacional. A potência não está na história isolada, mas na qualidade da relação que se estabelece entre o conto, o terapeuta e o ouvinte. Essa compreensão devolve à pessoa o lugar de sujeito da própria trajetória, e à história, o seu lugar como linguagem, não como solução.


Conclusão: histórias não curam. E isso é libertador.


Na Contoterapia®, conduzimos processos que se apoiam na linguagem simbólica, na escuta e na presença como formas de cuidado. Os contos oferecem imagens que sustentam reorganizações internas, favorecem a elaboração de experiências e ampliam a consciência de si.


A história atua como companhia simbólica no processo. Sua força está em sustentar o movimento de quem escuta, com delicadeza e profundidade.


Contos cuidam. E esse cuidado é o que torna possível, em muitos momentos, o início de uma transformação real. Abraços

Anna Rossetto

 
 
 

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