Imagine a cena: você, animada para se tornar uma terapeuta referência, conduzindo encontros transformadores com a contoterapia. O grupo está ali, ansioso, pronto para mergulhar em suas palavras e em suas histórias. Você então abre Mulheres que Correm com os Lobos, o famoso livro que explora o arquétipo da Mulher Selvagem. Publicado em 1992, esse clássico se mantém uma referência até hoje, atravessando gerações como leitura fundamental para psicólogos, mulheres e, recentemente, para uma nova onda de contoterapeutas. Mas, nesse momento, uma questão sutil se coloca: de quem é a voz que conduz esse encontro? A sua… ou a de Clarissa Pinkola Estés?
O Verdadeiro Papel do Contoterapeuta e Suas Fontes de Inspiração
O papel do contoterapeuta vai muito além da leitura de contos. Ser contoterapeuta é atuar como mediador entre o visível e o invisível, facilitando o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal de forma única e autêntica. Para isso, há um mundo de inspirações e fontes: contos da tradição oral, mitologias de diferentes culturas, rituais, expressões artísticas e técnicas de transformação pessoal, como a terapia narrativa, psicoterapia, práticas somáticas, terapias expressivas, atenção plena e abordagens de desenvolvimento pessoal focadas em metas e no autoconhecimento. Criar um espaço transformador e terapêutico significa construir uma experiência original que honre a individualidade do terapeuta e as necessidades de seu grupo.
Quando Mulheres que Correm com os Lobos é Tudo o Que Temos
Mulheres que Correm com os Lobos é uma obra-prima. Desde seu lançamento há mais de 30 anos, o livro de Clarissa Pinkola Estés vem abrindo portas para uma rica exploração dos arquétipos femininos e do inconsciente coletivo, revelando o impacto transformador dos contos em nossa vida. Clarissa propôs este livro como um caminho de reconexão com o feminino instintivo, com o objetivo de oferecer às mulheres uma ferramenta para o autoconhecimento e o fortalecimento pessoal. Com mais de 30 anos de prática como analista junguiana na época em que escreveu o livro, Clarissa trouxe uma profundidade e uma experiência clínica incomparáveis para oferecer essa obra ao mundo.
Mas quando esse material é levado diretamente para a prática de contoterapia e passa a ser monetizado sem permissão, será que isso está em linha com a intenção original da autora? Eu sei, essa pergunta pode soar desconfortável e não é nada popular, mas, honestamente, a reflexão vale a pena.
Para muitas contoterapeutas, conceitos sistêmicos como pertencimento, ordem e equilíbrio são valores essenciais em suas práticas. Quando olhamos para o uso de uma obra autoral sob essa ótica, algumas questões interessantes surgem. Será que, ao monetizarmos uma prática que depende diretamente do trabalho de Clarissa, sem autorização, estamos incluindo ou excluindo a autora desse sistema? A presença dela está devidamente honrada ou acabamos tomando seu lugar?
E quanto à ordem? Clarissa veio antes, trazendo sua experiência e visão para dar forma a esse trabalho. Mas, será que, ao conduzir uma prática que depende exclusivamente de seu livro, estamos respeitando essa ordem? E mais: será que os contos da tradição oral, com suas raízes profundas e suas inspirações arquetípicas, não nos oferecem uma fonte primária, honrando essa hierarquia ainda anterior?
Por fim, como equilibramos o valor que recebemos e o que devolvemos? Quando adquirimos um livro para uso pessoal, honramos o trabalho do autor. Mas quando esse material se torna o alicerce de uma prática monetizada, sem repassar uma compensação, será que mantemos esse equilíbrio ou o rompemos?
Essas questões são importantes para que, como contoterapeutas, possamos refletir sobre o uso ético e alinhado de uma obra autoral em nossa prática.
Como seria uma Sessão Usando Somente Mulheres que Correm com os Lobos?
Uma sessão que se baseia exclusivamente no livro de Clarissa tende a seguir os temas e interpretações da autora, o que coloca o contoterapeuta em um papel mais limitado. Vejamos como essa estrutura se desenrola:
• Leitura e Interpretação Baseada na Obra: O contoterapeuta lê um trecho e apresenta as interpretações e insights da própria autora, guiando o grupo pelas visões de Clarissa.
• Perguntas de Reflexão Diretas do Livro: As perguntas derivam das interpretações da autora, e o grupo explora os temas exatamente como ela os apresentou.
• Discussão e Compartilhamento Limitados: O grupo compartilha experiências e percepções, mas dentro do espaço delimitado pelo texto e pela visão da autora.
Aqui, o papel do contoterapeuta fica restrito ao conteúdo do livro, com pouco espaço para seu próprio conhecimento, técnicas e práticas de transformação. O trabalho se torna mais uma extensão da leitura. E podemos ser francos? Você realmente acha que extensão da leitura ou leitura guiada é contoterapia?
Como seria uma Sessão Autêntica de Contoterapia?
Agora, vamos imaginar uma sessão de contoterapia em que o contoterapeuta traz sua própria experiência e sua capacitação para conduzir um trabalho genuíno e autoral:
• Escolha e Criação de Contos Inspirados: O contoterapeuta, preparado e capacitado, pode escolher um conto do livro de Clarissa, mas também tem a flexibilidade de escolher qualquer outro conto da tradição oral ou de outros livros de contos, com ou sem interpretações psicológicas. Assim, ele cria ou adapta histórias que ressoem com o tema e as necessidades do grupo, sem depender exclusivamente do texto de Clarissa.
• Perguntas e Reflexões Únicas e Adaptadas: Perguntas são formuladas conforme a capacitação do contoterapeuta. Uma contoterapeuta com formação em práticas somáticas pode incluir exercícios de conscientização corporal; uma terapeuta com experiência em meditação guiada pode ajudar o grupo a acessar o inconsciente por meio de visualizações. Cada capacitação traz uma experiência única e adaptada. Não proponha algo que você não tem capacitação para propor e sustentar.
• Exercícios de Expressão e Integração: A contoterapeuta, com base em sua experiência, pode incluir práticas como desenho intuitivo, escrita terapêutica, exercícios de escuta e expressão criativa. De novo, alinhados com a sua capacitação. Esses exercícios promovem a integração das descobertas, fazendo com que cada participante se aproprie do próprio processo de transformação.
Trabalhar na Luz da Originalidade
Para o contoterapeuta, o caminho da autenticidade é iluminado pela criação e pelo respeito ao trabalho original dos outros. Trabalhar na luz significa pedir permissão, quando necessário, e honrar o processo de construção de uma prática que tenha sua própria voz. Por outro lado, quando seguimos uma técnica sem adaptação, apenas porque “é tendência” ou é garantia de retorno financeiro, corremos o risco de entrarmos na sombra – reproduzindo uma prática que não reflete nossa essência e, em última análise, nosso propósito como terapeutas.
Uma sessão autêntica traz à tona a singularidade do contoterapeuta, respeitando as fontes e, ao mesmo tempo, construindo uma prática rica, viva e que realmente faça diferença.
Pronto para Desenvolver sua Autenticidade em Contoterapia?
Existem muitas formas de encontrar sua voz e seu espaço como contoterapeuta, de construir um trabalho com respeito e propósito. Se você deseja alcançar uma prática que é singular e verdadeiramente sua, existe uma formação em contoterapia que ensina não apenas técnicas, mas também como explorar e desenvolver sua autenticidade. Conheça o Curso de Contoterapia® oficial.
Porque ser uma contoterapeuta de referência vai muito além de seguir uma tendência – é ser um guia, com uma prática autêntica e transformadora que vem da sua jornada, de quem você se tornou, e não apenas da técnica que te ensinaram a usar.
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